Onde e como começar a trabalhar remotamente e internacionalmente
(respeitando a lei portuguesa)

Escrito tendo em conta o ano de 2022. Este artigo pode vir a sofrer alterações.

Este artigo é apenas uma opinião do autor.

A informação neste artigo não deve servir de base a qualquer tomada de decisão sem assistência profissional qualificada e dirigida ao caso concreto, nem dispensa a consulta das normas legais em vigor.

Recomendo muito contratares um contabilista, para rectificares estes passos antes de trabalhares remotamente para países estrangeiros; e também um advogado, caso tenhas de fornecer um contrato de freelancing ao teu futuro empregador.

Motivação

A globalização finalmente chegou ao nível individual. Não é mais uma buzzword aplicada ao mundo corporativo. Qualquer pessoa pode agora aplicar os conceitos da globalização na sua vida profissional.

O trabalho remoto entre países já era uma realidade para alguns, mas após a pandemia, as empresas no mundo finalmente abriram-se ao mercado de trabalho a nível mundial, e não só no seu país. A partir de agora, as empresas estão a competir por talento mundialmente, aumentando a fasquia das condições de trabalho de todos, até indirectamente, para aqueles que continuam a trabalhar localmente. Isto quer dizer que os trabalhadores não estão limitados apenas ao que o mercado de trabalho do seu país oferece, e aos seus vícios. A partir daqui, temos sempre alternativa. "Aguentar, porque é o que há" deixa de ser um peso que temos de carregar.

Trabalhar a nível internacional como indivíduo traz maiores benefícios financeiros, opções mais interessantes a nível pessoal, e muitas vezes, até uma gestão de tempo mais eficiente.

Irei falar com base no meu próprio processo, não como um "médico", mas como um "paciente".

Onde posso encontrar vagas em empresas estrangeiras?

Tenho mesmo de fazer justiça ao "onde" no título.Hoje em dia há "milhentas" plataformas de trabalho remoto internacional, mas em 2021, arranjei o meu primeiro trabalho para a Bélgica no Cord.co. Outras plataformas que usei foi o LinkedIn, AngelList, RemoteOK, e claro, o Google.

Do meu ponto de vista, arranjar o trabalho é a parte mais simples. O mais complexo é o começo do trabalho independente do ponto de vista logístico e tributário.

Employer of Record vs. contractor/freelancing

Existem duas modalidades de alguém trabalhar para o estrangeiro:

  • contractor/freelancing: esta é a modalidade mais tradicional. Não existe uma lei do trabalho internacional. Cada país tem a sua lei de trabalho. Quando alguém trabalha para fora, o que está a acontecer é que esta pessoa está a exportar um serviço, medido à hora / mês / ano.
  • Employer of Record: esta modalidade tornou-se mais famosa durante a pandemia do COVID. Para facilitar a entrada de empresas internacionais num mercado estrangeiro, e também garantir a mesma estabilidade laboral aos trabalhadores, surgiram empresas que abstraem toda a lei laboral do país tanto para o trabalhador como para o empregador internacional, e oferecem contratos de trabalho por conta de outrém como se o empregador tivesse com escritórios cá em Portugal. Aqui, não há muita diferença entre ser contratado numa empresa portuguesa, ou por uma empresa estrangeira que usa estas empresas Employer of Record.
    Um dos Employer of Record mais conhecidos, no momento deste artigo, é o Deel.

Iremos simplesmente chamar contractor/freelancing como trabalho independente a partir daqui.

A grande diferença, para mim, entre estas duas modalidades, é que o trabalho independente encaixa com muito mais empresas, pois estas simplesmente importam um serviço como importam materiais para o escritório. Há muitas mais vagas para trabalho independente do que para Employer of Record. O Employer of Record é uma solução que ficou popular só recentemente, e também acarreta custos extra para o empregador internacional, como impostos locais (que não seriam pagos se o serviço fosse simplesmente uma compra de trabalho independente) e o próprio preço do serviço oferecido pelo Employer of Record.

Outra situação que vale a pena avaliar, é que no trabalho independente, o Estado Português compreende que o trabalhador tem agora custos, como material e seguros de saúde, e também riscos acrescidos: o regime de trabalho independente assume que o trabalhador é, bem, independente, e é ele próprio que tem de cuidar dos seus direitos e deveres de encontrar trabalho / serviços. A gestão dos impostos passa a ser responsabilidade do trabalhador, assim como cobrança do IVA, pagamentos à Segurança Social, e outras atividades logísticas que costumam ser feitas pelos empregadores nacionais.
Sendo assim, o Estado cobra menos imposto do que um trabalhador por conta de outrém. Esse desconto depende do código CAE (Classificação Portuguesa das Atividades Económicas) que define que tipo de serviço / produto o trabalhador independente vende ou trabalha (falaremos mais abaixo sobre o CAE). O Estado também oferece mais flexibilidade na Segurança Social. Um exemplo é permitir ao trabalhador escolher descontar mais ou menos para a Segurança Social, que um trabalhador por conta de outrém.
Mas, o Estado também sabe que a responsabilidade de manter o trabalho independente uma atividade lucrativa passa a ser do trabalhador, então certas protecções como baixa médica ou subsídio de desemprego passam a ser difíceis de obter, ou até mesmo impossíveis. Este artigo do Saldo Positivo da Caixa Geral de Depósitos pode explicar melhor que proteções o estado oferece quando um trabalhador independente perde a sua maior fonte de rendimento.

Eu, pessoalmente, acho que para andar a uma certa velocidade na bicicleta, é preciso deixar as rodinhas.

As empresas querem delegar trabalho sem muita logística ou custos acrescidos. Os contratos de trabalho por conta de outrém limitam o tecto salarial, pois cada aumento traz mais impostos locais e mais atividades logísticas como arranjar benefícios (seguros, descontos, passes, etc.), manter um payroll e departamento de HR, que não envolve só dinheiro mas tempo.

Se tiveres uma boa poupança (1 ano de salário nacional), e um salário que ultrapasse os 60 mil euros anuais, vale a pena o trabalho independente. Assim, se ficares sem fonte de rendimento uns tempos, podes usar as tuas poupanças e ter tempo para arranjar outro trabalho, em vez de receber subsídio de desemprego e ser forçado a gastar tempo com formações do IEFP completamente descontextualizadas da tua área.

Outra coisa que o trabalho independente traz de positivo é a cultura geral sobre economia, leis do trabalho e negociação. Alguém que sabe o que se passa por detrás da cortina de um emprego demonstra independência aos seus empregadores, e transparece confiança pois sabe o custo do tempo e do risco.

Várias modalidades de trabalho, cada uma adequada ao volume de operações de um trabalhador.

Este artigo irá centrar-se na modalidade de contractor/freelancing mais tradicional, devido à sua flexibilidade e abrangência nas vagas que encontramos por aí.

Ainda estás aqui!?

Antes de continuarmos a configurar o teu próximo contexto de trabalho, recomendo muito muito muito a procurar um contabilista e a decidir uma avença. Estes mares devem ser navegados por alguém entendido na área. Infelizmente não sei onde se arranja contabilistas sem ser por família e conhecidos. Talvez na Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas? Ou no Zaask? Enfim...

Já arranjei contabilista. Preciso de saber quem eu sou

Para o Estado fazer as suas contas habituais (não só de impostos), é preciso o Estado saber quem tu és. E quem tu és é determinado pelos CAEs Classificação Portuguesa das Atividades Económicas que tu tens e o tamanho da tua atividade. O código CAE determina o tipo de atividade laboral que tens. Podes ter vários CAEs: nada impede de seres um programador de software que aos fins-de-semana é esteticista. Esses serviços irão ser tributados de maneiras distintas. Afinal, um esteticista gasta mais em materiais na sua atividade do que um programador que só precisa de um portátil que dura 4 anos.
Podes consultar a lista de CAEs aqui, começando na página 39

Dependendo do volume dos rendimentos, e do tipo de serviços que forneces, deverás decidir também o tamanho e complexidade da tua atividade e contabilidade. Há quem abra empresa unipessoal, há quem tenha contabilidade não organizada, etc. etc. Se estás a ler este artigo, é porque talvez estejas a entrar no mercado internacional. Não recomendo fazer escolhas com base no que é mais rentável, mas sim no que é mais simples e de boa-fé. Não recomendo a abrir empresa já (só és obrigado a abrir se tiveres rendimentos acima dos 100 mil euros anuais). Recomendo o regime de IRS simplificado. Vai-te poupar imensos problemas. Mas não me oiças a mim, isto é só conversa. Ouve o teu contabilista.

Que despesas irei ter para com o Estado?

Como trabalhador independente com regime de IRS simplificado, prevê pagar estes 3 elementos

  • IRS, que depende de vários fatores, como os CAEs escolhidos
  • Segurança Social, no qual podes escolher quanto pagar, num determinado intervalo
  • IVA

Este site também é útil para consultar que tipo de taxas e impostos podes esperar.

IVA

O IVA (conhecido como VAT internacionalmente), é uma cobrança que um trabalhador independente ou empresa faz pelo Estado, em cima do valor do produto ou serviço que forneceu. Passamos a ser nós os cobradores do IVA pelo Estado, e iremos depois transferir para o Estado esse mesmo IVA que foi cobrado por nós.

Isenções do IVA

Alguns serviços para países estrangeiros estão isentos de IVA. Se o teu trabalho está isento de IVA, significa que o teu empregador internacional não tem de te pagar IVA por cima do teu salário, nem tu tens de transferir este mesmo IVA para o Estado.

Uma destas várias isenções do IVA é o Artigo 14.º do RITI, que define que que certos tipos de trabalho para empresas dentro União Europeia estão isentos de IVA. Se quiseres saber se o teu futuro empregador está coberto pelo RITI, insere o número de contribuinte do mesmo neste site.

Relembro que qualquer altura é ideal para fazeres o máximo de perguntas ao teu contabilista, e até perguntar a história por detrás de toda esta logística.

Pergunta ao teu contabilista se o teu tipo de trabalho e o país que recebe o teu trabalho estão isentos de IVA.

É hora de ir ao que é importante. Como é que eu cobro o meu salário à empresa?

No nosso dia-a-dia, nós pedimos faturas. Agora é tempo de sermos nós a passá-las.

Em vez de ter o salário a cair automaticamente na nossa conta, temos de passar agora uma fatura ao nosso empregador, a descrever os serviços feitos, para que este possa também incluir o nosso salário na sua contabilidade.

As faturas costumam ser feitas usando um software de faturação certificado. Eu, por exemplo, uso o weoInvoice.

Tu e o teu contabilista devem confirmar primeiro com o teu futuro empregador se eles aceitam faturas em português num país estrangeiro, e que tipo de moeda devem cobrar.

Na tua fatura, deves especificar

  • As informações fiscais de ti próprio e do teu empregador (nome da empresa, morada e número de contribuinte com código do país)
  • Se forneceste um serviço ou produto. Se a tua profissão é uma profissão de conhecimento (ex: programador de software, UX Designer), provavelmente será serviço
  • A descrição do artigo: neste caso será a descrição do teu CAE. Exemplo: o CAE 62010 deve ter como descrição do artigo "Actividades de programação informática"
  • As Condições de Enquadramento de IVA. É aqui que especificas se a fatura está dentro do RITI, ou tem outro tipo de isenção que se adequa à tua situação.

Entretanto, terás de manter o Estado a par de quanto estás a receber, para fins estatísticos e outros. De mês a mês terás de exportar um ficheiro chamado SAF-T, que é um ficheiro com código que descreve a tua faturação, e enviá-lo ao teu contabilista para ele depois encaminhá-lo para as Finanças. Cada software de faturação tem a sua maneira de exportar o SAF-T mensal. No weoInvoice, encontra-se em Configuração (na barra superior direita) > Exportação SAF-T PT 2017 (no separador direito)

Fechar a proposta

Depende muito das situações, mas pode surgir o caso em que tu próprio tens de fornecer um contrato de freelancing caso a empresa não tenha já um. Este contrato serve para te proteger. Deves consultar um advogado para desenhar um modelo de contrato ideal para ti.

Eu tenho usado este modelo. Volto a reforçar que nada do que está escrito neste artigo serve para fins financeiros ou legais.

Conclusão

Por enquanto acho que é tudo o que tenho para dizer. De vez enquando venho cá atualizar o artigo.

A partir de agora, é simplesmente aprender a pensar num contexto global.

Partilhem com todos aqueles que precisam de um bocadinho mais liberdade e opções na vida deles. Espero que este artigo tire algum do mistério e medo de trabalhar remotamente para fora.

Se forem programadores de software, passem pelo Discord do DevPT. Irão encontrar pessoal que passou por esta situação, e eu também de vez enquando vou lá dar umas palavras.

Agradeço ao meu contabilista (se estiver a ler isto), ao Cord.co e à Drawbotics, por me permitirem entrar neste mercado novo cheio de oportunidades (e de novos problemas).

Se acham que faço coisas engraçadas, ou quiserem um freelancer para montar a parte de engenharia da vossa startup, cliquem nesses botõezinhos aí no lado direito, ou enviem-me um email.

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